Estátua
de Aristóteles diante da Universidade de Freiburg, na Alemanha.
Em 1996, descobriu-se
em Atenas, Grécia, o sítio arqueológico onde funcionou o Liceu - a escola
fundada por Aristóteles (384-322 a.C.), para concorrer com
a Academia, a escola anterior, fundada por seu antigo
professor, Platão (427-347 a.C.). A fundação do Liceu
não reflete nenhuma ingratidão do discípulo com seu mestre, que por sinal já
havia morrido cerca de dez anos quando a escola aristotélica surgiu (336 a.C.).
Sua reputação como professor cresceu tão prontamente que o rei Filipe da
Macedónia chamou-o a palácio, para se tornar o tutor de Alexandre. Este jovem filho do velho guerreiro macedónio foi o mais
indomável aluno da história. Aristóteles foi relativamente bem tratado pelo
real maroto, sendo apenas jogado de escadas abaixo umas poucas vezes. Alguns
dos outros professores de Alexandre, que ousaram admoestá-lo, quando se
encontrava embriagado, foram mortos imediatamente.
Aristóteles permaneceu com Alexandre durante dois anos. E depois se
separaram: o soldado partiu a afogar o mundo em sangue, e o filósofo ficou a
alimentá-lo de sabedoria.
Apesar de ter sido discípulo
de Platão durante
vinte anos, diverge profundamente de seu mestre em
sua teoria do conhecimento. Isso pode ser atribuído, em parte, ao
profundo interesse de Aristóteles pela
natureza (ele realizou grandes progressos em biologia e física), sem descuidar
dos assuntos humanos, como a ética e a política.
Aluno de Platão, a quem
reconhecia o gênio, Aristóteles passou a discordar de uma ideia fundamental de
sua filosofia e, então, o pensamento dos dois se distanciou. Talvez seja esse o
ponto de partida para se falar da obra
filosófica Aristotélica.
Platão concebia a existência de dois mundos:
·
aquele
que é apreendido por nossos sentidos - por assim dizer, o mundo concreto -, que
está em constante mutação;
·
e um outro mundo - abstrato -, o mundo das
ideias, imutável, independente do tempo e do espaço, que nos é acessível
somente pelo intelecto.
Segundo Aristóteles, o dualismo
platônico entre mundo sensível e mundo das
ideias era um artifício dispensável para responder à pergunta sobre o
conhecimento verdadeiro. Nossos pensamentos não surgem do contato de nossa alma
com o mundo das ideias, mas da experiência sensível. "Nada está no intelecto
sem antes ter passado pelos sentidos", dizia o filósofo.
O mundo da experiência
Para Aristóteles,
existe um único mundo: este em que vivemos. Só nele encontramos bases sólidas
para empreender investigações filosóficas. Aliás, é o nosso deslumbramento com
este mundo que nos leva a filosofar para conhecê-lo e entendê-lo.
Aristóteles sustenta que o que está além de nossa experiência não pode
ser nada para nós. Nesse sentido, ele não acreditava e não via razões para
acreditar no mundo das ideias ou das formas ideais platônicas .
Porém, conhecer o mundo da experiência, "concreto", foi um
desejo ao qual Aristóteles se entregou apaixonadamente. Assim, ele descreveu os
campos básicos da investigação da realidade e deu-lhes os nomes com que são conhecidos
até os nossos dias: lógica, física, política, economia, psicologia, metafísica,
meteorologia, retórica e ética. Aliás, ele inventou também os termos técnicos
dessas disciplinas e eles também se mantêm em uso desde então. Exemplos:
Energia, dinâmica, indução, demonstração, substância, essência, propriedade,
categoria, proposição, tópico, etc.
O que é ser?
Filósofo que
sistematizou a lógica, Aristóteles definiu as formas de inferência que são válidas e as que não são, além de
nomeá-las. Durante dois milênios, estudar lógica significou estudar a lógica
aristotélica.
Ele aplicou a lógica, antes de mais nada, para
responder a uma questão que lhe parecia a mais importante de todas: o que
é ser?, ou, em outras palavras, o que significa existir? Primeiramente,
o filósofo constatou que as coisas não são a matéria de que se constituem. Por
exemplo, uma pilha de telhas, outra de tijolos, vigas e colunas de madeira não
são uma casa. Para se tornarem casa, é necessário que estejam reunidas de um
modo determinado, numa estrutura muito específica e detalhada. Essa estrutura é
a casa; e os materiais, embora necessários, podem variar.
Com o tempo, nosso
corpo está em constante mutação - transforma-se da infância para adolescência,
desta para a idade adulta e, finalmente, para a velhice. Nem por isso deixamos
de ser nós mesmos. Da mesma maneira, um cão é um cão em virtude de uma
organização e estrutura que ele compartilha com outros cães e que o diferencia
de outros animais que também são feitos de carne, pelos, ossos, sangue...
As quatro causas:
Para Aristóteles
uma coisa é o que é devido a sua forma. Ele compreende a forma como
a explicação da coisa, a causa de algo ser aquilo que é. Na verdade,
Aristóteles distingue a existência de quatro causas diferentes e
complementares:
1.
Causa material: de que é feita a coisa
2.
Causa eficiente: o que fez a coisa
3.
Causa formal: o que lhe dá forma
4.
Causa final: o
que lhe deu a forma
Tendo como exemplo:
a)
uma
casa, a causa material são os tijolos; a causa eficiente a construção; a causa
formal, a própria casa; e a causa final, a intenção do construtor.
b)
se
examinarmos uma estátua, o mármore é a causa material, a causa eficiente é o
escultor, a causa formal é o modelo que serviu de base para escultura e a causa
final é o propósito, que pode ser vender a obra ou enfeitar a praça.
Há uma hierarquia
entre as causas, sendo a causa final a mais importante. A ciência que estuda as
causas últimas de tudo é chamada de filosofia. Por isso, a tradição costuma
situar a filosofia como a ciência mais elevada ou mãe de todas as ciências, por
ser o ramo do conhecimento que estuda as questões mais gerais e abstratas.
Embora Aristóteles não seja materialista
(vimos que a forma não é a matéria), sua explicação do mundo é mundana, está no
próprio mundo. Finalmente, para o filósofo, a essência de qualquer objeto é a
sua função. Diz ele que, se o olho tivesse uma alma, esta seria o olhar; se um
machado tivesse uma alma esta seria o cortar. Assim, entendendo isso, estaremos
entendendo as coisas. Mas, o pensamento aristotélico não se limitou a essa área
da filosofia que podemos chamar de teoria do conhecimento ou epistemologia. Deixando de lado
os domínios que deram origem a outras ciências e nos limitando à filosofia
propriamente dita, Aristóteles ainda refletiu sobre a ética, a política e a
poética (que, no caso, compreende não apenas a poesia, mas a obra literária e
teatral).
Ética e política
No campo da ética,
segundo Aristóteles, todos nós queremos
ser felizes no sentido mais pleno dessa palavra. Para obter a felicidade,
devemos desenvolver e exercer nossas capacidades no interior do convívio
social. Aristóteles acredita que a auto-indulgência e a autoconfiança
exageradas criam conflitos com os outros e prejudicam nosso caráter. Contudo,
inibir esses sentimentos também seria prejudicial. Vem daí sua célebre doutrina
do justo meio, pela qual a virtude é um ponto
intermediário entre dois extremos, os quais, por sua vez, constituem vícios ou
defeitos de caráter. Por exemplo, a generosidade é uma virtude que se situa
entre o esbanjamento e a mesquinharia. A coragem fica entre a imprudência e a
covardia; o amor-próprio, entre a vaidade e a falta de auto-estima, o desprezo
por si mesmo. Nesse sentido, a ética aristotélica é uma ética do comedimento,
da moderação, do afastamento de todo e qualquer excesso.
Para Aristóteles,
é a ética que conduz à política. Segundo o filósofo, governar é permitir aos
cidadãos viver a vida plena e feliz eticamente alcançada. O Estado, portanto,
deve tornar possível o desenvolvimento e a felicidade do indivíduo. Por fim, o
indivíduo só pode ser feliz em sociedade, pois o homem é, mais do que um ser social, um animal político - ou seja,
que precisa estabelecer relações com outros homens.
O papel da arte
A poética tem, para Aristóteles, um papel
importantíssimo nisso, na medida em que é a arte - em especial a tragédia - que nos proporciona as grandes noções sobre a vida, por meio de
uma experiência emocional. Identificamo-nos com os personagens da tragédia e
isso nos proporciona a catarse, uma descarga de desordens
emocionais que nos purifica, seja pela piedade ou pelo terror que o conflito
vivido pelas personagens desperta em nós.
Tudo isso é, evidentemente, um resumo ultra sintético do pensamento
aristotélico. Sua obra é gigantesca, apesar de a maior parte dela ter se
perdido ao longo dos tempos. O que chegou até nós corresponde a 1/5 de sua
produção. São notas suas e de seus discípulos que passaram nas mãos de estudiosos
da Antiguidade, da Idade Média (parte dos quais em países islâmicos), e que
foram reorganizadas pela posteridade. Principalmente
em função disso, a leitura de Aristóteles é difícil e seus textos não possuem a
qualidade artística que encontramos nas obras de Platão.
O fim desse grande
homem foi trágico. Quando Alexandre morreu, irrompeu em Atenas uma grande
explosão de ódios, não somente contra o conquistador macedónio, mas contra
todos os seus admiradores e amigos. Ora, um dos mais íntimos amigos de
Alexandre era Aristóteles. Estava prestes a ser preso, quando conseguiu escapar
em tempo. Deixou Atenas, dizendo que não daria à cidade oportunidade de cometer
segundo crime contra a filosofia. Pouco tempo depois do exílio que se impusera,
adoeceu. Desiludido com a ingratidão dos atenienses, decidiu pôr fim à vida
bebendo, como Sócrates, uma taça de cicuta. E assim, depois de tudo, foi Atenas
culpada dum segundo crime contra a filosofia.
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