terça-feira, 12 de junho de 2012

Aristóteles - as quatro causas


             Estátua de Aristóteles diante da Universidade de Freiburg, na Alemanha.

 Em 1996, descobriu-se em Atenas, Grécia, o sítio arqueológico onde funcionou o Liceu - a escola fundada por Aristóteles (384-322 a.C.), para concorrer com a Academia, a escola anterior, fundada por seu antigo professor, Platão (427-347 a.C.). A fundação do Liceu não reflete nenhuma ingratidão do discípulo com seu mestre, que por sinal já havia morrido cerca de dez anos quando a escola aristotélica surgiu (336 a.C.). Sua reputação como professor cresceu tão prontamente que o rei Filipe da Macedónia chamou-o a palácio, para se tornar o tutor de Alexandre. Este jovem filho do velho guerreiro macedónio foi o mais indomável aluno da história. Aristóteles foi relativamente bem tratado pelo real maroto, sendo apenas jogado de escadas abaixo umas poucas vezes. Alguns dos outros professores de Alexandre, que ousaram admoestá-lo, quando se encontrava embriagado, foram mortos imediatamente.
Aristóteles permaneceu com Alexandre durante dois anos. E depois se separaram: o soldado partiu a afogar o mundo em sangue, e o filósofo ficou a alimentá-lo de sabedoria.
             Apesar de ter sido discípulo de Platão durante vinte anos,  diverge profundamente de seu mestre em sua teoria do conhecimento. Isso pode ser atribuído, em parte, ao profundo interesse de Aristóteles pela natureza (ele realizou grandes progressos em biologia e física), sem descuidar dos assuntos humanos, como a ética e a política.
           Aluno de Platão, a quem reconhecia o gênio, Aristóteles passou a discordar de uma ideia fundamental de sua filosofia e, então, o pensamento dos dois se distanciou. Talvez seja esse o ponto de  partida para se falar da obra filosófica Aristotélica.
Platão concebia a existência de dois mundos:  
·         aquele que é apreendido por nossos sentidos - por assim dizer, o mundo concreto -, que está em constante mutação;
·          e um outro mundo - abstrato -, o mundo das ideias, imutável, independente do tempo e do espaço, que nos é acessível somente pelo intelecto.
Segundo Aristóteles, o dualismo platônico entre mundo sensível e mundo das ideias era um artifício dispensável para responder à pergunta sobre o conhecimento verdadeiro. Nossos pensamentos não surgem do contato de nossa alma com o mundo das ideias, mas da experiência sensível. "Nada está no intelecto sem antes ter passado pelos sentidos", dizia o filósofo.

O mundo da experiência
             Para Aristóteles, existe um único mundo: este em que vivemos. Só nele encontramos bases sólidas para empreender investigações filosóficas. Aliás, é o nosso deslumbramento com este mundo que nos leva a filosofar para conhecê-lo e entendê-lo.
Aristóteles sustenta que o que está além de nossa experiência não pode ser nada para nós. Nesse sentido, ele não acreditava e não via razões para acreditar no mundo das ideias ou das formas ideais platônicas .
Porém, conhecer o mundo da experiência, "concreto", foi um desejo ao qual Aristóteles se entregou apaixonadamente. Assim, ele descreveu os campos básicos da investigação da realidade e deu-lhes os nomes com que são conhecidos até os nossos dias: lógica, física, política, economia, psicologia, metafísica, meteorologia, retórica e ética. Aliás, ele inventou também os termos técnicos dessas disciplinas e eles também se mantêm em uso desde então. Exemplos: Energia, dinâmica, indução, demonstração, substância, essência, propriedade, categoria, proposição, tópico, etc.

O que é ser?
             Filósofo que sistematizou a lógica, Aristóteles definiu as formas de inferência que são válidas e as que não são, além de nomeá-las. Durante dois milênios, estudar lógica significou estudar a lógica aristotélica.
            Ele  aplicou a lógica, antes de mais nada, para responder a uma questão que lhe parecia a mais importante de todas: o que é ser?, ou, em outras palavras, o que significa existir? Primeiramente, o filósofo constatou que as coisas não são a matéria de que se constituem. Por exemplo, uma pilha de telhas, outra de tijolos, vigas e colunas de madeira não são uma casa. Para se tornarem casa, é necessário que estejam reunidas de um modo determinado, numa estrutura muito específica e detalhada. Essa estrutura é a casa; e os materiais, embora  necessários, podem variar.
            Com o tempo, nosso corpo está em constante mutação - transforma-se da infância para adolescência, desta para a idade adulta e, finalmente, para a velhice. Nem por isso deixamos de ser nós mesmos. Da mesma maneira, um cão é um cão em virtude de uma organização e estrutura que ele compartilha com outros cães e que o diferencia de outros animais que também são feitos de carne, pelos, ossos, sangue...

As quatro causas:
                  Para Aristóteles uma coisa é o que é devido a sua forma. Ele compreende a forma como a explicação da coisa, a causa de algo ser aquilo que é. Na verdade, Aristóteles distingue a existência de quatro causas diferentes e complementares:
1.       Causa material: de que é feita a coisa
2.       Causa eficiente: o que fez a  coisa
3.       Causa formal: o que lhe dá forma
4.       Causa final:  o que lhe deu a forma
 Tendo como exemplo:
a)      uma casa, a causa material são os tijolos; a causa eficiente a construção; a causa formal, a própria casa; e a causa final, a intenção do construtor.
b)      se examinarmos uma estátua, o mármore é a causa material, a causa eficiente é o escultor, a causa formal é o modelo que serviu de base para escultura e a causa final é o propósito, que pode ser vender a obra ou enfeitar a praça.
            Há uma hierarquia entre as causas, sendo a causa final a mais importante. A ciência que estuda as causas últimas de tudo é chamada de filosofia. Por isso, a tradição costuma situar a filosofia como a ciência mais elevada ou mãe de todas as ciências, por ser o ramo do conhecimento que estuda as questões mais gerais e abstratas.
             
                   Embora Aristóteles não seja materialista (vimos que a forma não é a matéria), sua explicação do mundo é mundana, está no próprio mundo. Finalmente, para o filósofo, a essência de qualquer objeto é a sua função. Diz ele que, se o olho tivesse uma alma, esta seria o olhar; se um machado tivesse uma alma esta seria o cortar. Assim, entendendo isso, estaremos entendendo as coisas. Mas, o pensamento aristotélico não se limitou a essa área da filosofia que podemos chamar de teoria do conhecimento ou epistemologia. Deixando de lado os domínios que deram origem a outras ciências e nos limitando à filosofia propriamente dita, Aristóteles ainda refletiu sobre a ética, a política e a poética (que, no caso, compreende não apenas a poesia, mas a obra literária e teatral).

Ética e política
                No campo da ética, segundo Aristóteles, todos nós queremos ser felizes no sentido mais pleno dessa palavra. Para obter a felicidade, devemos desenvolver e exercer nossas capacidades no interior do convívio social. Aristóteles acredita que a auto-indulgência e a autoconfiança exageradas criam conflitos com os outros e prejudicam nosso caráter. Contudo, inibir esses sentimentos também seria prejudicial. Vem daí sua célebre doutrina do justo meio, pela qual a virtude é um ponto intermediário entre dois extremos, os quais, por sua vez, constituem vícios ou defeitos de caráter. Por exemplo, a generosidade é uma virtude que se situa entre o esbanjamento e a mesquinharia. A coragem fica entre a imprudência e a covardia; o amor-próprio, entre a vaidade e a falta de auto-estima, o desprezo por si mesmo. Nesse sentido, a ética aristotélica é uma ética do comedimento, da moderação, do afastamento de todo e qualquer excesso.
                Para Aristóteles, é a ética que conduz à política. Segundo o filósofo, governar é permitir aos cidadãos viver a vida plena e feliz eticamente alcançada. O Estado, portanto, deve tornar possível o desenvolvimento e a felicidade do indivíduo. Por fim, o indivíduo só pode ser feliz em sociedade, pois o homem é, mais do que um ser social, um animal político - ou seja, que precisa estabelecer relações com outros homens.

O papel da arte
                A poética tem, para Aristóteles, um papel importantíssimo nisso, na medida em que é a arte - em especial a tragédia - que nos proporciona as grandes noções sobre a vida, por meio de uma experiência emocional. Identificamo-nos com os personagens da tragédia e isso nos proporciona a catarse, uma descarga de desordens emocionais que nos purifica, seja pela piedade ou pelo terror que o conflito vivido pelas personagens desperta em nós.
Tudo isso é, evidentemente, um resumo ultra sintético do pensamento aristotélico. Sua obra é gigantesca, apesar de a maior parte dela ter se perdido ao longo dos tempos. O que chegou até nós corresponde a 1/5 de sua produção. São notas suas e de seus discípulos que passaram nas mãos de estudiosos da Antiguidade, da Idade Média (parte dos quais em países islâmicos), e que foram  reorganizadas pela posteridade. Principalmente em função disso, a leitura de Aristóteles é difícil e seus textos não possuem a qualidade artística que encontramos nas obras de Platão.
               O fim desse grande homem foi trágico. Quando Alexandre morreu, irrompeu em Atenas uma grande explosão de ódios, não somente contra o conquistador macedónio, mas contra todos os seus admiradores e amigos. Ora, um dos mais íntimos amigos de Alexandre era Aristóteles. Estava prestes a ser preso, quando conseguiu escapar em tempo. Deixou Atenas, dizendo que não daria à cidade oportunidade de cometer segundo crime contra a filosofia. Pouco tempo depois do exílio que se impusera, adoeceu. Desiludido com a ingratidão dos atenienses, decidiu pôr fim à vida bebendo, como Sócrates, uma taça de cicuta. E assim, depois de tudo, foi Atenas culpada dum segundo crime contra a filosofia.

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